Meus 45 filhos

Com mais de 30 anos de vivência como mãe social em Goioerê (PR), Vera Alice Simões fez de seu sonho de infância uma profissão
Na época, até o bispo teve que interceder. Era ainda início dos anos de 1980, em Campo Mourão, município de Paraná, quando Vera Alice Simões recebeu um folheto com informações sobre uma vila dedicada a acolher crianças e que precisava de pessoas para colaborar na empreitada  

O pedido de ajuda do lugar, até então desconhecido, assumiu em Vera ares de revelação. Aos 23 anos, sonhara desde a infância com a maternidade. Embora não pensasse em ter filhos biológicos, cuidar de crianças lhe pareceu um caminho naturalíssimo.

Soube, mais tarde, que a tal vila era a Aldeia Infantil SOS de Goioerê, um trabalho iniciado pelo Padre Luigi de Paoli, em 1978, que acolhia crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. A consistência do projeto a fez tomar uma decisão que mudaria radicalmente sua vida.

Mas o anúncio foi recebido com trovoadas na casa do Sr. Adolfo e da Sra. Alice Simões. Como a filha caçula poderia pensar em deixar a segurança de sua casa e do trabalho em um cartório para viver como cuidadora residente em outra cidade, a quase 70 quilômetros de sua casa?  

Durante o tempo de tormenta, Vera falava de seu sonho, Padre Luigi de sua missão, mas só mesmo o Bispo da Diocese de Campo Mourão colocou panos quentes na situação. “Antigamente era tudo muito complicado. Eles até ofereceram uma bolsa para estudar na França, mas eu queria mesmo era cuidar de criança”, lembra a mãe social.

Domingo a domingo
Com a anuência dos pais, que, a princípio, expirava em um ano, chegou com suas malas em Goioerê. Achou o local bonito demais, pois tinha imaginado que ajudaria também a construir os espaços. Mas lá foi para a casa número quatro da Aldeia, onde começou a cuidar de trigêmeos vindos de Dracena, Estado de São Paulo, de dois anos.  

O início não foi fácil. Trabalhar de domingo a domingo, em tempo integral, colocava à prova a auto-reconhecida vocação de Vera. Mas a dedicação não a incomodava, aliás, “tinha vergonha de receber salário” para fazer algo que gostava. O maior desafio se dava na adaptação com as crianças e, destas, com o novo ambiente.

“Eu tinha muito apoio das outras mães e também do padre Luigi, que era como um pai, um psicólogo para nós”, recorda. Recebeu conselho até do próprio educador Hermann Gmeiner, fundador da Aldeias Infantis na Áustria, que visitou Goioerê em 1984. “O sonho dele realizou o meu”, credita.

De três, sua casa chegou a receber até 10 crianças, pois “nunca achava correto separar irmãos”. E mesmo em suas folgas, em Campo Mourão, levava seus filhos. “Minha mãe começou a paparicar (a garotada). Ela também gostava muito de criança”.

Mudanças
A regulamentação da profissão de mãe social (pela Lei nº. 7.644, em 1987) não mudou a relação de Vera e seu ofício. Como, na época, as crianças ficavam períodos de longa duração (até os 18 anos), a família já estava montada. Para se ter uma ideia, só depois de 12 anos os familiares dos trigêmeos foram encontrados, e os, então, adolescentes, se recusaram a ir embora: preferiram Vera, a sua mãe de criação.

A mudança veio com a Lei nº 12.010, conhecida como “Lei da Convivência Familiar e Comunitária”, em 2009, a qual impõe que acolhimento institucional não se prolongará por mais de dois anos, salvo comprovada necessidade. “Antes, elas ficavam muito tempo. Agora, eu já preparo a criança para reencontrar a família. Eu choro de dor, mas eu sinto que é melhor para ela. Uma perda sofrida, mas necessária”, afirma.

Também teve que mudar de endereço. Há três anos, do condomínio que ocupavam, passaram a acolher e fortalecer crianças, adolescentes e jovens em uma casa próxima à região central da cidade. Mobilização essencial para apoiá-los e impulsionar seu desenvolvimento e autonomia em um ambiente próximo à família e à comunidade.

Reconhecimento
Com mais de três décadas de vivência como mãe social, Vera contabiliza 45 filhos que, embora não façam mais parte da Aldeia de Goioerê, moram em seu peito. “Ligam quando estão com febre”, brinca, ao falar da proximidade que mantém com eles, regada a um afeto familiar. Ajuda, dá conselhos, participa, enfim, da vida deles. “Os filhos deles me chamam de avó”, se emociona.

Questionada sobre como as outras pessoas – diga-se, amigos e familiares –, reconhecem seu trabalho, ela não parece tão emocionada. “Eles não entendem, não acreditam. Já me disseram que eu deveria parar de trabalhar e começar a me divertir. Mas eu falo para eles que minha felicidade está aqui.”
 
Vera demonstra que ainda não pensa em parar. Há muitos anos derrubou qualquer parede existente entre profissão e vocação, encontrando no afeto sua razão de viver. “Enquanto eu sentir que tenha capacidade de cuidar, de me doar, ainda estarei trabalhando”.

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