Observatório do Terceiro Setor – dezembro 2 2021

Para ganhar escala, ações sociais precisam antes obter eficiência

 

Por Edmond Sakai

Atuando no Terceiro Setor, sempre encontramos iniciativas incríveis que mudam a realidade local de comunidades vulneráveis. Movidos por boas ideias e muito comprometimento, empreendedores sociais, mesmo com poucos recursos, fazem a diferença. Essas iniciativas merecem ganhar escala e serem reproduzidas em outras comunidades, quem sabe até um dia se tornando políticas públicas estruturadas.

Mas, infelizmente, também vemos muitas dessas boas ideias falharem nesse movimento de escalar, por diversos fatores. Um artigo recente da Stanford Social Innovation Review tenta entender por que isso acontece e, em resumo, geralmente o que falta é, antes de escalar, fazer a ação ganhar eficiência.

O que acontece? Geralmente, os financiadores veem uma ação inspiradora ainda em seus estágios iniciais e, encantados, encorajam essas iniciativas a crescer rapidamente, sem pensar na eficiência programática, capacidade operacional e sustentabilidade. O que essas organizações precisam neste momento, antes de expandir a ação, é codificar seu modelo. Para isso, devem reunir e analisar dados sobre a ação, entender o que está funcionando ou não, e refinar o modelo para que ele gere mais impacto com os recursos disponíveis.

O problema é que isso é muito difícil para organizações em estágio inicial e subfinanciadas, como são a maioria das que atuam em comunidades vulneráveis, por exemplo. Mas elas devem ter isso como prioridade, antes de pensar em expandir. O segredo é conseguir planejar a longo prazo, dando um passo de cada vez, sem pressa. Ter eficiência requer demonstrar resultados convincentes e replicáveis, e codificar pontos-chave como requisitos programáticos e de equipe, frequência, duração etc.

Os autores do artigo desenvolveram em 2014 um processo em três passos para garantir esse ganho de eficiência antes de escalar. São eles:

1 – Construa um protótipo para demonstrar os primeiros resultados

Experimente, teste, e refine as abordagens programáticas baseadas em evidências, feedbacks e métricas claras.

2 – Refine e “prove” o caso

Codifique o modelo para determinar quais elementos podem e devem ser replicados, guiado por dados e métricas, e desenvolva “pontos de prova” para demonstrar impacto significativo no público-alvo da ação

3 – Planeje para escalar

Com clareza sobre eficiência e replicação, desenvolva planos para a expansão, replicação e/ou disseminação, construídos sobre as fortalezas do modelo refinado.

O desafio é garantir recursos para esse trabalho de identificar, codificar e isolar as ações e condições que levam a excelentes resultados. Não é possível exigir que as organizações, ainda em estágio inicial, tenham condições de fazer isso sozinhas. Quem precisa ter esse olhar são os financiadores. O artigo traz três exemplos de organizações que conseguiram ganhar escala com eficiência, seguindo três caminhos diferentes.

O primeiro é o Mission Asset Fund (MAF), de San Francisco (EUA). Eles utilizaram a abordagem de criar programas-piloto, experimentando e refinando o trabalho central desde o início, observando, refinando e, se necessário, reduzindo. Fundado em 2007, o MAF formalizou um modelo de empréstimo social que inclui educação financeira no bairro de Mission, tradicional região de imigrantes da cidade. Os fundadores do programa testaram diversos modelos localmente e investiram em tecnologia para facilitar o ganho de escala, antes de implantar o programa em outras comunidades.

O Working America (WA), braço de organização política da AFL-CIO, maior central sindical dos EUA, aposta na abordagem de testagem. Eles usam designs experimentais para testar as mensagens antes de lançarem suas campanhas de conversão de eleitores “persuadíveis”. Em 2015, eles desenvolveram o Experiment Informed Program (EIP), ou Programa Informado por Experimento, em que a testagem em pequena escala leva à construção de modelos e, só então, ganha escala.

O terceiro exemplo é do Nurse Family Partnerships (NFP), um tradicional programa de saúde comunitária, cujo modelo é baseado em 40 anos de evidências dos Randomized Control Trials (RCT), ou Ensaios de Controle Randomizados, a metodologia que guia os testes clínicos que comparam os efeitos de medicamentos, procedimentos cirúrgicos e outras pesquisas médicas. Eles começaram nos anos 1970, desenvolvendo um programa de visitação domiciliar de mães de primeira viagem, e acompanharam por três décadas o desenvolvimento das crianças. A estratégia de escala foi a repetição, que é a base do RCT. Com o modelo testado e aprovado, eles criaram uma organização nacional para repetir o programa em outros comunidades. Os resultados foram tão bons que influenciaram o presidente Barack Obama a criar um programa federal de bilhões de dólares para levar o modelo a nível nacional.

Portanto, há diversas abordagens possíveis, mas a escala com eficiência só acontece com paciência para dar um passo de cada vez e desenvolver modelos bem pensados para mensurar e codificar o trabalho. Os financiadores que querem, de fato, ajudar pequenas organizações com boas ideias a ganhar escala, precisam ter isso em mente e ajudar, no primeiro momento, a garantir um modelo eficiente. Vale a pena!

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Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da organização internacional Aldeias Infantis SOS. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.

 

Matéria publicada no Observatório do Terceiro Setor