Por Edmond Sakai
Há muitos anos, defendo que um dos pilares da atuação das organizações sociais deve ser o advocacy. De fato, ele é um dos três pilares para se administrar uma ONG eficientemente, como mencionado no meu artigo sobre “Como fazer perguntas melhores?”. Resumindo, advocacy é o conjunto de ações e argumentações em favor de uma causa. Não é exatamente a mesma coisa que advogar, embora os termos tenham a mesma origem, no latim, no verbo advocare, que significa ajudar quem está em necessidade. Advocacy é um processo de reivindicação de direitos com o objetivo de influir na formulação e implementação de políticas públicas para atender às necessidades da população.
Ou seja, a prática do advocacy se dá com organizações sociais e outros entes da sociedade civil pleiteando suas reivindicações junto ao poder público, seja o Executivo, Legislativo ou Judiciário; participando da formulação de projetos de lei; fazendo pressão para que eles sejam aprovados nas casas legislativas e executados; ou atuando como partes em ações públicas junto às instâncias do Judiciário. Sempre defendi que qualquer organização social deva ter um braço de advocacy, e um artigo recente na Stanford Social Innovation Review faz coro a essa ideia.
No artigo, os autores Alan Schwartz e Reuben Fininghan, que atuam no Universal Commons Project, projeto que defende um “capitalismo mutualista” que realmente garanta avanços no bem-estar humano enquanto preserva o planeta e seus recursos, argumentam que o foco no chamado investimento de impacto social é um avanço, mas tem grandes limitações, que podem ser superadas por meio do advocacy. Eles explicam que a maior parte dos movimentos de “capitalismo responsável” que surgiram nas últimas décadas, como o investimento de impacto social, ESG, e responsabilidade social corporativa partem do pressuposto de que é possível as grandes empresas e investidores obterem retornos comerciais enquanto resolvem os problemas socioambientais.
WIN-WIN OU TRADE-OFF?
Para os autores, essas situações “win-win (ganha-ganha)” podem ser possíveis de forma pontual, mas que o atual enquadramento regulatório do setor financeiro impede que se atinja o nível de investimento necessário para, de fato, resolver os grandes desafios da nossa época. Por exemplo, sem uma mudança no framework regulatório, para que consigamos atingir as metas estipuladas no Acordo de Paris para limitar as mudanças climáticas, as empresas teriam que aceitar uma perda combinada de cerca de US$ 10 trilhões. Sim, dez trilhões de dólares!
Não é só com as mudanças climáticas. Para enfrentar questões como a perda de biodiversidade, pobreza e os efeitos do isolamento social, os investidores evitarão fazer os aportes necessários se não houver retorno comercial. Assim, eles defendem que parte desses recursos devem ser investidos no advocacy para mudar as regulações econômicas e assim construir um modelo de investimento de impacto que seja financeiramente sustentável.
Além do investimento “win-win”, existe o investimento “trade-off”, em que os investidores aceitam um retorno sobre o investimento abaixo da média do mercado, se for por uma boa causa. Embora nobre, os autores afirmam que há um problema nesta abordagem: a medição e avaliação de resultados fica prejudicada em relação ao investimento tradicional, no qual há métricas bem estabelecidas de mensuração de resultados. Ainda há uma defasagem grande nas metodologias de mensurar impacto social em relação ao impacto financeiro.
COMO MUDAR AS REGRAS DO JOGO?
Desta forma, a única solução real para os enormes problemas que estamos enfrentando é mudar as regras do jogo, e isso só será possível com um investimento massivo em advocacy. Por exemplo, colocar um preço significativo nas emissões de carbono seria um grande avanço para possibilitar investimentos win-win em larga escala. Precificar o carbono fatalmente reduziria os retornos de todas as atividades que emitem carbono, em todos os setores da economia. Ao mesmo tempo, aumentaria a lucratividade das atividades que emitem pouco carbono.
Os autores afirmam que é possível ser otimista com a possibilidade disso se tornar realidade por meio do advocacy. Recentemente, 457 investidores que representam US$ 41 trilhões em ativos assinaram uma declaração demandando mudanças regulatórias mais rápidas. Para eles, o caminho para que isso se torne realidade é investir para chegar até os eleitores, para que eles se conscientizem da importância dessas mudanças na legislação e votem em políticos comprometidos em implementar essas políticas públicas. Eles afirmam que a matemática é vantajosa: se é preciso US$ 10 trilhões para resolver o problema das mudanças climáticas, apenas 0,1% disso investido em advocacy, ou US$ 10 bilhões, seria suficiente para mudar o panorama regulatório.
O advocacy é também chamado de “lobby do bem”, e historicamente empresas de petróleo, por exemplo, investiram pesadamente em lobby para impedir mudanças legislativas que impactem seus negócios, que, como sabemos, provocam um enorme impacto negativo no meio ambiente. Por que não usar essas estratégias, até agora utilizadas para o “mal”, para fazer o bem?
A forma mais eficaz de tornar esse investimento em advocacy um retorno financeiro positivo é integrar totalmente as estratégias de investimento de impacto e advocacy. Por exemplo, um bom advocacy para melhorar políticas públicas de reciclagem de resíduos trará retornos positivos para uma empresa de reciclagem. Essa abordagem exige um alto nível de conhecimento de política local, mas feito do jeito certo pode ser altamente recompensador.
Atualmente, empresas de gestão de ativos, como as de hedge funds, concentram um enorme poder de decisão sobre os investimentos a nível global, representando uma grande variedade de clientes que incluem grandes investidores, empresas e fundos. Com elas se comprometendo a investir para valer em advocacy, é possível mudar o mundo e de fato construir um “capitalismo responsável”. Considerando que os efeitos das mudanças climáticas e dos outros grandes problemas socioambientais podem causar impactos desastrosos na economia, esse sem dúvida é um investimento que vale a pena!
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Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da organização Aldeias Infantis SOS no Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.
Matéria publicada pelo Observatório do Terceiro Setor