Observatório do Terceiro Setor – novembro 19 2021

Mackenzie Scott está revolucionando a filantropia ao doar bilhões com zero burocracia

 

Por Edmond Sakai

A norte-americana Mackenzie Scott é atualmente um dos nomes mais influentes no mundo da filantropia. Em 1993, ela se casou com Jeff Bezos e, um ano depois, fundaram juntos a Amazon, primeiramente como uma livraria virtual. Ela participou da criação do nome, plano de negócios e organizou a entrega dos primeiros pedidos da livraria. Quando o negócio começou a crescer, Mackenzie foi se afastando da Amazon para se dedicar à família e à carreira literária. A Amazon, como sabemos, se tornou uma das maiores empresas do mundo e símbolo da economia digital. Bezos se tornou bilionário e é atualmente o segundo homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em mais de US$ 195 bilhões.

Mackenzie estudou literatura com a ganhadora do Prêmio Nobel Toni Morrison e lançou romances bem recebidos pela crítica. Em abril de 2019, ela e Bezos se divorciaram, no que ficou conhecido como o maior acordo de divórcio da história, e ela ficou com US$ 35,6 bilhões em ações da Amazon, o que a tornou a terceira mulher mais rica do mundo. Com a valorização das ações da empresa, a fortuna dela chegou a US$ 62 bilhões em dezembro de 2020, dando-lhe o posto de mulher mais rica do mundo.

“NÃO GUARDE PARA DEPOIS”

Mas Mackenzie Scott não é uma bilionária comum. Em maio de 2019, apenas um mês após oficializar o divórcio de Bezos, ela assinou o Giving Pledge, se comprometendo a doar em vida a maior parte de sua fortuna. Em uma carta aberta explicando sua decisão, ela disse que se inspirou em um livro que leu sobre a arte de escrever, ‘The Writing Life’, de Annie Dillard. “Não guarde o que parece bom para uma parte posterior do livro, ou para outro livro… O impulso de guardar algo bom para um lugar melhor mais tarde é o sinal para usá-lo agora. Algo mais vai surgir para mais tarde, algo melhor… Qualquer coisa que você não distribua livremente e abundantemente se torna perdida para você. Você abre seu cofre e só encontra cinzas”.

Mackenzie acha que esse conselho vale não só para escrever um livro, mas para a vida. “Não tenho dúvida de que um valor tremendo surge quando as pessoas agem rapidamente sob o impulso de doar. Eu tenho uma quantia desproporcional de dinheiro para compartilhar. Não vou esperar. Vou continuar até que o cofre esteja vazio”, afirmou na carta. E ela realmente agiu rápido após firmar esse compromisso. Um ano depois, já havia doado cerca de US$ 1,7 bilhão para 116 organizações que atuam em áreas nas quais ela tem interesse, como justiça racial, igualdade LGBTQIA+, mudanças climáticas e saúde. Até o momento, o total já passou de US$ 8,6 bi, com mais de 780 organizações contempladas. Mackenzie divulga cada rodada de doações em seu blog, de forma discreta, sempre buscando enfatizar não seu papel como doadora, mas quem são as organizações e pessoas que estão fazendo trabalhos inspiradores.

Muitos especialistas em filantropia têm dito que, nestes dois anos, Mackenzie Scott revolucionou a atividade filantrópica, menos pela impressionante quantia doada que pela velocidade com que todos esses recursos estão chegando na ponta. O segredo é que ela tem dado prioridade a eliminar o máximo possível os processos burocráticos para as doações e de prestação de contas. Ao contrário dos filantropos tradicionais, que fazem doações restritas a propósitos e ações específicas, Scott afirma que não quer saber o que as organizações vão fazer com o dinheiro. “Eu faço a contribuição a uma organização e a encorajo a gastar no que eles acreditam que melhor serve a seus esforços”, afirma.

AVALIAÇÃO PRÉVIA DAS ORGANIZAÇÕES É O SEGREDO

Claro que isso não significa que ela está simplesmente “jogando dinheiro pela janela”. A equipe de Scott trabalha muito em pesquisa prévia para selecionar organizações com uma experiência comprovada de liderança em ações de impacto. Esse grupo reduzido de especialistas realiza uma “due dilligence” para avaliar a situação das organizações, mas, depois de aprovadas, elas têm confiança total da doadora para gastar como acharem melhor. A maior parte dessas organizações afirma que as doações de Scott foram as maiores que receberam em sua história. Atuando com uma estrutura muito mais enxuta do que fundações tradicionais, Scott também economiza muito em custos administrativos em relação ao modelo mais usual de filantropia.

Ainda precisaremos de tempo para avaliar com mais exatidão se o modelo proposto por Scott é realmente o futuro da filantropia, mas acredito que, ao tirar o foco dos doadores para enfatizar o trabalho das organizações que ela está ajudando, a norte-americana já gravou seu nome na história do trabalho filantrópico, embora ela mesma não queira receber os louros por seus gestos. Por muito tempo, ouvimos dizer que doar grandes somas dá muito trabalho. Mackenzie Scott está provando o contrário.

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Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da organização Aldeias Infantis SOS no Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.

 

Matéria publicada no Observatório do Terceiro Setor