novembro 18 2010

Educação como prática para liberdade

Experiência metodológica do Brasil frente à Educação

O tema deste artigo é inspirado no título do livro “Educação como prática para a liberdade" do educador Paulo Freire, pensador de uma corrente singular para o pensamento filosófico, pedagógico, político-social. Ele representa, de maneira exemplar, uma nova perspectiva de atuação da organização Aldeias Infantis SOS Brasil no desenvolvimento de estratégias relevantes, com o foco na realidade concreta de crianças, adolescentes, jovens, suas famílias e comunidades.

Um ponto de partida fundamental

O tema deste artigo é inspirado no título do livro “Educação como prática para a liberdade" do educador Paulo Freire, pensador de uma corrente singular para o pensamento filosófico, pedagógico, político-social. Ele representa, de maneira exemplar, uma nova perspectiva de atuação da organização Aldeias Infantis SOS Brasil no desenvolvimento de estratégias relevantes, com o foco na realidade concreta de crianças, adolescentes, jovens, suas famílias e comunidades.

Há cerca de 60 anos, emerge no cenário brasileiro e em diversos pontos da América Latina, território marcado pela colonização e opressão histórica dos “descobridores”, a experiência expressiva e revolucionária de um movimento com um enfoque renovador do que até então se entendia por “Educação”. Alguns intitularam isso de “Educação libertária”, “Educação Emancipatória” e a derivação da conhecida “Educação Popular”.

Mas como descrever esta nova concepção de Educação?

Neste pensamento a “Educação” é vinculada e essencialmente fundamentada pela realidade sócio-política de um povo “sem voz” (“sem palavra”) e assim “sem vez” em todas as características dos direitos fundamentais do ser humano. A isto Freire chama de “analfabetismo”: um povo que não consegue pronunciar e/ou fazer a leitura de sua realidade passada, presente e futura – Gente sem perspectiva, por isso, sem o elemento que desperta a possibilidade da mudança – Ao “pronunciar o mundo” o individuo não só pronuncia voluntariamente, mas denuncia também as injustiças e situações de desigualdades e explorações.

Diferente das concepções antigas e pragmáticas de Educação, que ao longo da sua história revelou, como mera aquisição de conhecimentos abstratos e “teóricos”, que “escraviza” o ser humano como um “depósito” de informações e não como um processo conscientizador e libertário frente a sua própria realidade cotidiana:

“A conscientização é um compromisso histórico (...), implica que os seres humanos assumam seu papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece (...), está baseada na relação consciência-mundo”.
 

Para Freire o saber esta conectado, engendrado, concebido as problemáticas históricas culturais, políticas e sociais do sujeito. A Educação como forma e atitude do ser humano se compreender no mundo como um ser - com (relacional) que se faz e deixa se desenvolver conscientemente na relação com o outro, numa atitude horizontal, dialógica. Nesta dinâmica existencial o conhecimento se dá na relação cotidiana e imediata do sujeito. O mundo, com seus contrastes e aparências, se transforma em elemento e meio de “aprendizagem”, de constante desenvolvimento e a inquietude e a curiosidade aparecem como características construtivas.


“Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos acrescentando a ele algo que fazemos” 
 

Em suma, o saber parte dos “conteúdos” vivenciados pelos indivíduos e a sua capacidade de mudar, transformar a realidade que ele conhece. Neste sentido a Educação não entendida aqui como “lugar limitado”, “espaço formal” (sala de aula X professor) ou um momento específico e extra-ordinário de aquisição e acúmulo de conhecimentos, mas sim, como um fator ético desenvolvido no e com o cotidiano, que se revela a todo momento e em todo lugar.

Este é o diferencial desta perspectiva educativa. Educação é um ato de criação, por isso político, de autonomia do ser humano frente às situações de injustiça e de exploração e de consciência de sua situação e possibilidade de transformação.

Como afirma Paulo Freire, “do ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades”, porém para a perspectiva de empoderamento e emancipação dos indivíduos a educação é meio de libertação e isto se dá num conceito que transcende intencionalmente o que hoje vivenciamos e definimos com educação formal em diversos países. Falamos aqui de uma educação essencialmente não para a vida, mas da própria vida.

Práxis mobilizadora  - Metodologia do Enfoque Integral (MEI)

“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão-ação”. (Paulo Freire)

Com base na perspectiva do pensamento freiriano, a Organização Aldeias Infantis SOS Brasil, há quatro anos vem propiciando espaços de discussões, experiências e construções coletivas com este foco educativo mobilizador. No ano de 2008 com um grupo de assistentes pedagógicas de todos os Programas construiu um marco para a práxis pedagógica em nível nacional, intitulada Metodologia do Enfoque Integral.

“A metodologia não é apenas um caminho traçado e meramente reproduzido de maneira espontânea e mecanicista, mas sim, exige apropriação e responsabilidade frente à capacidade de propor, produzir e criar. Para isto, se faz necessário recordar sempre a disposição de inovar, pensar no não-realizado, não-previsto; inaugurar uma prática inovadora, capaz de dar significância e intenção aos envolvidos é objetivo de todos aqueles que são e estão comprometidos com uma nova forma de ser e fazer” . 


Este material teve como referência prática, diversas experiências como a do educador Tião Rocha, na cidade de Curvelo-MG, com um projeto de empreendedorismo social, que desenvolve a cultura local de uma região “esquecida” socialmente e economicamente, formando educadores populares inseridos em diversos contextos e espaços da cidade deste município mineiroOutra experiência inspiradora para a definição desta Metodologia, foi fundada pelo jornalista Gilberto Dimenstein, chamada de Cidade Aprendiz, que se insere e potencializa meios e espaços educativos do bairro (Escolas, praças, parques, igrejas e postos de saúde) - consolidou-se e já é aplicado como política pública efetiva em diversos locais do país, servindo como solução integral para problemas das áreas da educação, da segurança, da saúde, entre outras.

 A metodologia das Aldeias Infantis SOS Brasil foi desenvolvida com base em três propósitos:

Preservar a Multidimensionalidadeque significa o conhecimento de si mesmo/a de suas relações e de seu poder de interagir com o mundo e os outros/as;

Promover a participação cidadã e democrática – garantir o envolvimento efetivo e real de todos/as;

Garantir a visão holística – reconhecer as diversas dimensões do ser: corpo, sentimento, pensamento e espírito.

 A base destes propósitos está no objetivo de fortalecer e definir uma rede local que se constitui em “trilhas de oportunidades” (promoção e proteção) com o foco na educação integral, que extrapola a concepção de educação enquanto espaço formal e temporal.

 Alguns dispositivos pedagógicos que desenvolvem esta prática para a liberdade:

·        Análise da realidade Local - mapeamento de potencialidades presentes na comunidade construído de maneira coletiva. Desta análise se define o tema gerador que norteará todas as ações do Programa;

·        Roda de conversa – espaço de diálogo, discussão e planejamento que favorece a participação ativa e democrática de todos;

·        Ambiência – o cuidado estético, de maneira intencional, com o espaço onde se vive e convive favorece ao desenvolvimento educativo dos envolvidos;

Enfim, a Organização Aldeias Infantis SOS Brasil neste novo enfoque metodológico e com base nas novas Políticas SOS, definiu estratégias frente à promoção e defesa do interesse superior de crianças, adolescentes e jovens. Esta nova perspectiva e concepção de educação, que têm como centro o desenvolvimento de uma rede de oportunidades que aponta de maneira fundamental para o papel do Estado, da comunidade local e de todos os envolvidos para o seu protagonismo e responsabilidade frente a um território de Educação que seja para a Liberdade, sinônimo de participação efetiva e transformadora. Como dizia Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.