Escola de pais: mudando famílias

No Seridó do Rio Grande do Norte, projeto tem ajudado a mudar vidas e fortalecer vínculos familiares

 


Falta de comida, brigas constantes entre pais e filhos, estresse, evasão escolar, esgotamento e nenhuma perspectiva na vida; enfim, cenários que até então, existiam, mas não tão evidentes no âmbito família como hoje em dia. Nesse momento é importante se perguntar: como melhorar essa situação? Talvez, a resposta seja aquela que se ouve por aí sempre: uma melhor educação dos filhos, mas por que não levar em consideração outra não tão comum: a educação para os pais.
 
Sim, pode soar estranho, mas é importante – pois não há nenhuma carga genética que ensine a ser pai ou mãe, ou o que seja certo ou errado, o que fazer ou não fazer, ou seja, é preciso aprender o que é de fato um lar e como lidar no dia a dia, mesmo em meio às tempestades da vida.

Para atender essa demanda, a Aldeias Infantis SOS Brasil oferece, desde 2017, o programa “Escola de Pais”, em Caicó, Rio Grande do Norte. A Iniciativa, que recebeu aporte da Booking este ano, expandiu sua atuação: de 47, agora participam 85 famílias.

Dois exemplos de superação e frutos desse trabalho são duas moradoras dessa região, Joelma Aparecida e Maria Raimunda. Elas contam como eram suas vidas antes e quais foram as mudanças que ocorreram após ingressaram no programa da SOS.
 
A vida em risco
A cena era inusitada, Daniele* de apenas sete anos acordava todos os dias preocupada apenas com uma coisa: esconder de sua mãe uma corda para que ela não chegasse a tirar a própria vida. Joelma, a mãe, estava sofrendo dia a dia porque a comida estava acabando dentro de sua própria casa.
 
“Um dia fiquei sabendo da Aldeias Infantis e o programa que ofereciam. Aí fui conversar com a assistente social de lá, que passou a me ajudar para que minha família conseguisse alimentação”, relembra Joelma. A organização também a encaminhou para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). A partir dali ela passou a ser acompanhada por psicólogos e inserida no benefício eventual garantido por lei no município.
 
“Hoje melhorou muita coisa, depois da conversa que eu tive com a equipe do programa eu mudei meu pensamento sobre o suicídio e sei que irei conseguir mudar minha realidade daqui para frente. Também mudou bastante o relacionamento com as crianças, eu tenho dado mais atenção a elas. Estou em tratamento terapêutico”, afirma Joelma.
 
Saúde e escola
Conflitos são comuns na maioria das famílias e deveriam ser superados na base do diálogo e da tolerância, mas nem sempre é assim que as coisas acontecem. Na casa de Raimunda, por exemplo, as brigas eram constantes. “Meus filhos toda hora perguntavam se eu e meu marido não iríamos trabalhar para comprar comida. Eles choravam toda hora por conta disso e por isso brigávamos toda hora”, afirma ela.
 
Além de toda essa situação, a filha Joice* começou a apresentar desinteresse na vida escolar e seu neto Jonas* estava com um problema de saúde. “Eu precisava de orientação sobre o cuidado em casa, como lidar com minha ansiedade e também com meus filhos, por isso procurei o programa”, explica Raimunda.
 
“Desde que comecei no projeto minha filha voltou a estudar, pois recebeu orientação e meu netinho está se sentindo bem melhor e está sendo acompanhado sempre. Hoje eu falo para todo mundo ir ao programa porque ajuda mesmo”, afirma.
 

Como funciona
A Escola de Pais tem como estratégia o mapeamento de necessidades, a identificação, articulação e mobilização das famílias, no planejamento e realização de atividades formativas que oportunizem o desenvolvimento integral de famílias e nas regiões mais vulneráveis do município de Caicó, no Rio Grande do Norte. O objetivo é fortalecer durante 12 meses, vínculos familiares fragilizados na perspectiva de prevenir situações de acolhimento institucional.
 
De acordo com o gestor do programa do Rio Grande do Norte, Francisco Santiago Junior, durante o processo de visitação às famílias é possível perceber quais são as necessidades delas.

“Verificamos que era preciso ir além e também atingir o público jovem com o nosso programa. E foi em parceria com a Fundação MAPFRE, que estamos empoderando adolescentes em situação de risco, através de ações integradas, na busca de sua autonomia, qualificação e encaminhamento para o mercado de trabalho”, afirma, se referindo ao Projeto Sonhar, financiado pela fundação.
 
O programa também oferece oficinas culinárias, em parceria com o Serviço Social do Comércio – SESC. Nele, as famílias aprendem a fazer o aproveitamento integral dos alimentos, o que gera o cuidado com a alimentação das crianças e adolescentes.
 
Em conjunto com o Instituto Federal do Rio Grande do Norte, também são realizados workshops para a confecção de sabão com óleo de comida usado, como forma de geração de renda para as famílias atendidas.
 
Pensando na autoestima do ser humano e o seu desenvolvimento, também são realizadas oficinas de arte terapia. Lá, as famílias têm a oportunidade de lidar melhor com o dia a dia dentro de casa, principalmente na questão do cuidado com as crianças e adolescentes.
 
“Para mim é uma satisfação como pessoa, como profissional e, sobretudo, como cidadão poder ajudar para termos uma sociedade mais justa e fraterna. Poder contribuir nessa ressignificação de vida é muito importante”, completa Junior.