Crianças e adolescentes no centro da imigração

Encontro debateu o cenário da imigração no Brasil e no mundo  

                                              
Adolescentes e gestores da Aldeias Infantis SOS Brasil participaram, na última sexta-feira (14), em Brasília, do Seminário Internacional Crianças e Adolescente Migrantes. Promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH), o evento debateu o cenário internacional da imigração e os impactos causados a crianças e adolescentes, além de apontar boas práticas na proteção dos direitos dessa população.

Presidindo a mesa de abertura do seminário, o secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos, Luís Carlos Martins Alves, citou a vulnerabilidade das crianças e adolescentes migrantes, que necessitam de rede apropriada de educação e acesso à saúde. “Temos uma questão de caráter humanitário, que precisa de resposta humanitária. Os esforços são feitos no sentido de viabilizar que as crianças e adolescentes sintam-se acolhidas em nosso território. Queremos que as crianças e adolescentes migrantes tenham direito à vida, à liberdade, desfrutando da convivência comunitária”, enfatizou.

Durante a saudação inicial, a Gestora Nacional da SOS Brasil, Sandra Greco, exaltou a importância da realização do seminário. “Esse é um evento relevante, pois temos aqui várias autoridades envolvidas numa questão que hoje está na ordem do dia. Somos uma organização que atua no apoio humanitário, o que justifica o nosso envolvimento. Costumo dizer que criança não tem fronteira. Nossa atuação é pautada na defesa integral dos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias.

Segundo Greco, a SOS está sensibilizada com a tensão existente em Boa Vista e com a saída forçada dessas pessoas do seu país. “A sociedade brasileira precisa se apropriar desse debate e colocar na mesa os seus princípios de solidariedade, de compaixão e apoiar essas famílias e crianças na construção de um futuro”.

Ela ressaltou ainda que a solidariedade dos brasileiros impressiona. “Nesse momento que o Brasil atravessa um vácuo de valores morais e éticos, nos surpreende a reação do povo brasileiro, que tem se mostrado bastante solidário”.

Sandra também destacou a necessidade de um trabalho mais amplo, que envolva profissionais da educação. “As crianças são resilientes. Conseguem se adaptar a nova cultura e a escola. Mas é preciso um trabalho de formação para os professores e de conscientização das crianças e adolescentes brasileiros, para que não haja rejeição e casos de bullying com os venezuelanos”, disse.

Também participaram da mesa de abertura: Maria do Carmo Brant de Carvalho, secretária nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS); Juan Miguel González Bibolini, secretário executivo do Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos (IPPDH) do Mercosul; Thierry Dudermel, ministro conselheiro chefe de Cooperação da Delegação da União Europeia; Lucimara Cavalcante Varanis, conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA); Rosana Vega, chefe do Programa de Proteção à Criança do Unicef; Leonardo Serikawa, coordenador de Cooperação Técnica da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI); Virgínia Tedeschi, técnica do Programa EUROsociAL+ e o representante dos adolescentes imigrantes, o jovem venezuelano Dewy Salazar.
 

Cenário Internacional
Na primeira mesa de debates, o tema abordado foi o cenário internacional da imigração e o impacto causado a crianças e adolescentes. Abrindo os trabalhos, Rosana Vega, apresentou um panorama mundial sobre a situação de crianças e adolescentes. “Essa é uma crise que cresce diariamente. Devemos garantir a não discriminação, os interesses das crianças, os espaços para que elas sejam ouvidas e o direito pela vida, sobrevivência e desenvolvimento”.

Dados apresentados pela representante do Unicef apontam que uma a cada setenta crianças no mundo vivem fora do seu país de origem, o que representa um contingente de 31 milhões de crianças. Outro aspecto importante levantado por Rosana Vega foi a abordagem de crianças com algum tipo de deficiência e crianças indígenas, um trabalho mais delicado e que exige uma atenção maior pois apresenta outros desafios.

Débora Castiglione, assistente de projeto da Organização Internacional para as Migrações da ONU, apresentou a temática “Crianças e adolescentes em situação de Vulnerabilidade”. Apesar do Brasil receber imigrantes venezuelanos, os destinos mais frequentes são Colômbia, Estados Unidos e Espanha. Débora afirmou que o Brasil faz parte da complexa rota de migrantes na América do Sul, seja por via terrestre, marítima ou por avião.

Uma pesquisa realizada com migrantes venezuelanos em abril de 2018, revelou que 48% dos entrevistados identificam no Brasil o destino final na busca por uma nova vida. Deste total, 59% preferem ficar no Amazonas e 22% em Roraima. “A pesquisa também revelou que 67% dos venezuelanos entrevistados deixaram o país por conta de razões econômicas ou laborais e 22% por falta de acesso médico ou alimentos. Também questionamos qual cenário encontrariam caso voltassem para Venezuela e 42% responderam sobre a fome e 32% desemprego”.

O secretário executivo do IPPDH/Mercosul, Juan Miguel González Bibolini trouxe o foco para a importância das políticas públicas. “A sociedade precisa saber com quais instrumentos contamos para evitar retrocessos observados ultimamente. A migração era um tema do homem e isso mudou. Atualmente vemos uma questão familiar ou da mulher que acaba migrando e leva seus filhos. A questão na América Latina é tão séria, que do ano 2000 a 2017, o número de migrantes cresceu 52%. Precisamos focar no direito dessas pessoas sem tratar do assunto apenas como uma questão de segurança”, afirmou Juan.

Experiências
Participando da segunda mesa de debates, a gestora nacional da Aldeias Infantis SOS, Sandra Greco avaliou o trabalho desenvolvido pelo Projeto Humanitário Brasil sem Fronteiras e o acolhimento realizado em pela SOS em Brasília (DF), Igarassu (PE), João Pessoa (PB), Goioerê (PR) e no Rio de Janeiro (RJ).

“Temos na Metodologia do Enfoque Integral, desenvolvida pela nossa organização, um conjunto de ações, práticas e atitudes, envolvendo os mais diversos atores comprometidos com a promoção e efetivação dos direitos das crianças, dos adolescentes e suas famílias. No pouco tempo de trabalho, já colhemos resultados que nos animam. Em Brasília, por exemplo, dos 27 adultos acolhidos, já temos 16 empregados. São famílias inteiras que resgatam autonomia de vida”.

Compartilhando a experiência na Costa Rica, a gerente técnica do Patronato Nacional da Infância, Patrícia Hernandez ressaltou que o trabalho iniciado em 2010 é um processo que vem sendo construído diariamente, baseado em dezoito tarefas que são constantemente revistas.

“Identificamos as instituições e entidades da sociedade civil que precisam estar na mesa para tratar das questões de migração e construir o trabalho conjuntamente. Esse é um trabalho articulado que está em constante construção”. Patrícia destacou também que a reforma na legislação que trata sobre migração foi fundamental para novas abordagens com tratamento diferenciado para a questão.

“A lei precisa se adaptar à realidade e não a realidade se adaptar a lei. A lei precisa ser evolutiva. Não podemos e não devemos rotular um migrante. É um ser humano. Ser migrante não deve ser uma condição para impedir o desenvolvimento humano”.
Enfrentando uma questão de migração bastante delicada, o consultor do EUROsociAL+, Vincenzo Castelli apresentou aspectos de um trabalho desenvolvido há dez anos na Itália e que agora vem sendo desenvolvido no México.

“Em 2006, mudamos a forma de agir com crianças e adolescentes na Itália. O foco é voltado para a comunidade local que atua no suporte de ações educacionais e como família substituta. Agimos da mesma forma com crianças e adolescente migrantes, pois entendemos que os menores que chegam ao nosso país precisam ser acolhidos e receber todo suporte necessário para o desenvolvimento, pois serão cidadãos com deveres e direitos”.

Diálogos com adolescentes
Ao longo do seminário, cinco adolescentes venezuelanos participaram de uma roda de conversa para debater assuntos pertinentes aos desafios enfrentados por eles ao chegar no Brasil. Vindos dos programas da  Aldeias Infantis SOS Brasil localizados no Rio de Janeiro (RJ), Jhosep Navarro Perez e Dewy Salazar; em Igarassu (PE), Jesus Daniel Salazar e Mileidys Salazar e em Brasília (DF), Daniel Rafael Zamora, os jovens levantaram questões que enfrentaram em Roraima. A necessidade de médicos nos abrigos de Boa Vista, bem como instrutores de português, já que a língua acaba sendo a maior dificuldade encontrada. Mas o principal desejo do grupo foi um tratamento mais humano, sem discriminação.

Ao agradecer pela oportunidade de começar uma nova vida no Brasil, a jovem Mileidys Salazar não conteve as lágrimas, mas deixou o seu recado. “Agradeço a todos da Aldeias Infantis SOS, principalmente ao senhor Carlos que sempre nos ajuda nas dificuldades que enfrentamos. Esperamos que os venezuelanos que desejam sair do país venham em melhores condições e que tudo melhore o mais rápido possível”.

Desafios
Tratando da questão de migração e gênero, a analista para assuntos humanitários do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Irina Bacci trouxe ao público a importância do trabalho de campo para mapear as necessidades e escutar as demandas para compreender o que deve ser feito. Irina frisou que a questão da violência de gênero e lembrou que Boa Vista é a capital mais violenta contra a mulher no Brasil. Um dado preocupante, pois deixa meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, além da questão da xenofobia.

Ela também ressaltou a importância dos parceiros na acolhida dos migrantes venezuelanos. “Precisamos reconhecer o trabalho dos nossos parceiros, como o Aldeias Infantis SOS, que melhorou muito a acolhida. É importante dizer que o trabalho que vem sendo desenvolvido no Brasil tem sido muito bem feito”.

Para o representante da Defensoria Pública da União (DPU), Gustavo Zortea da Silva, os desafios na atuação são enormes. “Dificuldade no momento do defensor avaliar a saúde mental, física, idade ou maturidade da criança ou adolescente. Além disso, temos a ausência de unidades da DPU na maioria dos pontos de fronteira e a dificuldade de estabelecer vínculos com adultos no caso de crianças e adolescentes indocumentados”. O defensor público também apresentou um fluxo de trabalho desenvolvido conjuntamente com a Polícia Federal e que será encaminhado para análise do MDH.

Encerrando os trabalhos do seminário, a coordenadora-geral de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do MDH, Inajara Maria Oliveira abordou os desafios da proteção integral e a necessidade dos migrantes conhecerem seus direitos.

“Não é fácil ser migrante. As dificuldades para fazer a matrícula na escola sem documentos. Como requerer um benefício social? Como comprovar qualificação e experiência profissional? Do outro lado temos também os desafios dos agentes públicos que precisam saber como agir nas mais variadas situações. É um trabalho desafiador e que deve ser monitorado e avaliado continuamente”.