Yexided Garcia penou para aprender receitas tradicionais no início; hoje é responsável pela área de frios e frutas do Tano e prepara pratos quentes
Yexided Valle Garcia Giménez não conhecia nada da culinária brasileira quando começou a trabalhar no hotel Grand Hyatt, na Barra. Nas primeiras vezes em que fez tapioca, a massa não fechava de tão dura que ficava. O omelete saía cru. O que ela dominava mesmo era a gastronomia de seu país, a Venezuela. A falta de prática, no entanto, não foi obstáculo para a ascensão da jovem, que começou trabalhando como copeira, em 2018, e um ano depois foi promovida a auxiliar de cozinha. Hoje, aos 26 anos, ela é responsável pela área de frios e frutas do café da manhã e também prepara pratos quentes no restaurante Tano.
As primeiras experiências realmente foram horríveis. Não sabia nem como manipular a faca para cortar determinados alimentos. Meu chefe comeu a primeira tapioca que fiz e disse: “Não ficou boa, mas você vai aprender”. Fiquei com medo, mas fui em frente — lembra Yexided.
A contratação contou com a ajuda da ONG de cuidados infantis Aldeias Infantis SOS, que também auxilia imigrantes e refugiados no Brasil. Yexided passou por um curso de capacitação de três meses, oferecido pelo Grand Hyatt, antes de ser admitida.
Mas sua história no Brasil começou em 2017, quando, devido às dificuldades financeiras geradas pela forte crise econômica da Venezuela, ela e o marido Eduardo decidiram imigrar com a filha Valerie, então com 3 anos. Ele foi antes, numa viagem de 20 horas de ônibus de sua cidade natal, Puerto la Cruz, até Pacaraima, no norte de Roraima, fronteira com a Venezuela.
Ficamos desorientados. Não tínhamos dinheiro suficiente para pagar hotel ou alugar um quartinho, e dormíamos na rua. Fomos à Polícia Federal e conseguimos um visto temporário para ficar três dias no Brasil. Decidimos ir para Boa Vista e lá pedimos refúgio. Passamos três semanas dormindo ao relento e comendo comida levada por voluntários — lembra Eduardo Luis Lopes, marido de Yexided.
Após esse tempo, a mulher decidiu que iria ao encontro do marido. "Se você está dormindo no chão, eu também vou dormir", disse à época. Vendeu a geladeira e o que mais pôde e partiu com a filha.
Na Venezuela, eu tinha uma cama e um teto, mas meu estômago estava vazio. Esse era o desespero. Eduardo, pelo menos, comia três vezes por dia — conta ela, que, ao chegar, ficou uma semana na rua. — Não tinha privacidade, banheiro, nada.. mas minha filha se alimentava. Com R$ 5, conseguíamos comprar arroz e sabonete, por exemplo.
Depois de sete dias, os três foram levados para um abrigo com ajuda de representantes da Acnur, agência da ONU para refugiados. Após três meses, surgiu a possibilidade de virem para o Rio de Janeiro. Com ajuda da ONG Aldeias Infantis SOS, ficaram cinco meses em um novo abrigo e fizeram cursos de português e informática. Valerie tomou vacinas e foi matriculada numa escola. Neste período, Yexided fez o curso de capacitação do Grand Hyatt.
— Fiquei um mês e meio na área de banquete, como garçonete, e o mesmo período na governança, como camareira. Éramos 15 alunos e só sete conseguiram emprego. Comecei lavando louça e chão e fazendo a limpeza geral da cozinha. Fui promovida à auxiliar porque o chef percebeu que eu trabalhava com muita dedicação e ele queria alguém assim na equipe dele. Não se importava pelo fato de eu não ter experiência. Era uma questão de tempo aprender — diz Yexided.
Em dezembro do ano passado, o marido se juntou à equipe do hotel como servente, responsável pela limpeza das áreas públicas, como lobby e piscina.
Com o dinheiro que ganha, o casal consegue pagar o aluguel de R$ 800 da casa onde mora com a sogra de Yexided na comunidade Morro Branco, no Itanhangá. O maior desejo, no entanto, é ter uma casa própria. Enquanto isso...
— Sobra para vivermos dignamente e ajudar parte da família que ficou na Venezuela — diz Yexided, que conseguiu trazer para o Brasil a mãe, a avó materna, duas tias, suas irmãs e as de Eduardo.
Matéria publicada em O Globo