28 anos de luta pelos direitos de crianças e adolescentes.

Na última sexta-feira (13/07) o Estatuto da Criança e do Adolescente/ ECA completou 28 anos. Em vigor desde julho de 1990, a lei estabelece os direitos e deveres para crianças e adolescentes para os quais foram fixadas medidas especiais de proteção.

Mas, a legislação continua sendo alvo de recorrentes críticas e polêmicas. De um lado, especialistas apontam que o ECA ajudou o país a concretizar uma cultura de direitos humanos inovador e contemporâneo, de outro, críticos pedem a revisão da  lei que não pune.

De olho nessa conjuntura política e social, a Aldeias Infantis SOS Brasil quer priorizar nos próximos anos estratégias de mobilização popular, a partir de amplo debate e formação histórica e crítica. A iniciativa irá colaborar para o envolvimento de todos e todas frente ao principio maior do ECA: “que as crianças e adolescentes sejam ‘sujeitos de direitos’”.

Em uma Roda de Conversa realizada no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo no dia 13 de julho, o Assessor Nacional de Advocacy da SOS, Fábio Paes, afirmou que o ECA ajudou a concretizar uma políticas públicas relacionadas à  saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, formação profissional, cultura e de respeito à dignidade, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, em favor de crianças e adolescentes.

De acordo com ele, críticos do ECA afirmam que o sistema socioeducativo se tornou uma escola do crime e que o estatuto proporciona uma certa “impunidade” aos adolescentes em conflito com a lei. Como remédio, reclamam o endurecimento da legislação, como a redução da maioridade penal e a ampliação do tempo de internação, que hoje é limitado a três anos.

Esta visão é contraditória porque o ECA apresenta medidas importantes que devem ser adotadas. Porém, o Estado não as implementa parcialmente, muito menos integralmente, fazendo que o país esteja em descompasso em garantir aquilo que lei define.

 ”Ao mesmo tempo em que estamos comemorando os 28 anos do ECA estamos chorando a morte de, aproximadamente, 28 crianças por dia no Brasil, uma guerra instaurada diante de nossos olhos. O desemprego bate recordes trágicos para o país, assim  como a miséria tem voltado a ser tema preocupante. Sem falar que a mortalidade Infantil e materna voltaram a patamares tristes de décadas atrás”, afirmou o assessor.

De acerta forma, a necessidade de atualizar o ECA é reconhecido por críticos e defensores. “Os tempos mudam, a sociedade muda e as legislações precisam sim, ser revistas de tempos em tempos. Mas estas mudanças devem levar em conta o aperfeiçoamento dos direitos já conquistados”, disse a professora e ativista pelos direitos das crianças e adolescentes Irandi Pereira, durante a Roda de Conversa.

A especialista é contra alteração no ECA neste momento por entender que o estatuto ainda não foi integralmente aplicado pelo Estado brasileiro. “É uma inversão querer endurecer a legislação subtraindo direitos quando estes ainda não foram totalmente experimentados e não havendo dados que sustentem que isso seja eficaz”, acrescentou Irandi, ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e atualmente participante do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente de São Paulo.

Túnel do tempo
Fábio Paes faz uma análise histórica sobre o ECA. Em Meados dos anos 80, era chegada a redemocratização. Após duas décadas de ditadura e opressão, cidadãos e cidadãs de todo o Brasil saíam às ruas reivindicando a participação da sociedade civil na determinação dos rumos do país. Em destaque para o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que lutava pela garantia de direito desses sujeitos, com a conquista da Constituição Federal em 1988, o próximo passo dado foi a preposição da primeira lei que garantisse, de fato, os direitos da criança e do adolescente.

O ECA surge deste movimento popular que ocupava as comunidades, organizações sociais e do próprio público de crianças e adolescentes.

Por isso, nesta primeira “onda histórica” foi a elaboração da lei em que estavam envolvidos juristas, promotores, advogados, centros de defesa, grupos de estudos de universidades, militantes dos direitos da infância e principalmente crianças e adolescentes em situação de rua.

“Esse foi um grande diferencial para o debate. Crianças e jovens que moravam nas ruas entraram no Congresso com a proposta que ajudaram a redigir. Foi lindo. Ali era visível a voz das crianças com sua participação neste construção legal e ética para o país”, argumenta Paes.

Mas, segundo ele, nas últimas décadas, se perdeu a questão do movimento da criança e do adolescente e adentramos na segunda “onda histórica”. A onda do aprimoramento público da lei.

“Vemos que no segundo passo do ECA o Estado, logo todos e todas aqueles que defenderam a publicação do ECA, exigiam agora a criação de Planos, mecanismos e Sistemas que respondessem ao principio da Lei. Por exemplo aparecem os profissionais da área da Assistência, com o SUAS, ou seja, a operacionalização das políticas públicas existentes. Então nós profissionalizamos a implentação do ECA com políticas públicas e profissionais para áreas estratégicas e operacionais, mas perdemos a militância de base e das ruas”.

Desde então, para ele, dados oficiais mostram que crianças continuam morrendo, são abandonas por familiares e até são torturadas por agentes que deveriam protegê-los, além do alto índice de suicídios. “Nos últimos anos devido a cortes orçamentários e outras medidas fomos assistindo um processo histórico de atrocidades em que nós não temos incidência e nem a criança tem voz diante disso. Não debatemos sobre orçamento na Educação e em Políticas de Reurbanização, por exemplo”, explicou Paes.

Nesse contexto, a SOS tem por objetivo para os próximos anos resgatar a mobilização de movimentos sociais. Mas por quê? “O momento é agora. É criar uma agenda em todo o Brasil para mobilizarmos pessoas a pensarem em uma política pública mais efetiva e relevante para as crianças e adolescentes e suas famílias. Ocupar politicamente aquele espaço esquecido e deixado de lado nestas últimas décadas. Sem o elemento da mobilização de pessoas teremos uma lei pela lei. Assumir e fortalecer esta terceira onda histórica de participação popular e movimentista é necessário!”, responde Paes.